Imprimer

Arbitragem internacional / Obrigação de independência, de imparcialidade e de revelação dos árbitros / Acórdão de anulação do Tribunal da Relação de Paris de 14 de outubro de 2014

Publié le 24/10/2014, 20h13

Cartas de informação da OHADA.com de 14 de outubro de 2014 e de 16 de outubro de 2014 e queremos dar-lhes conhecimento do Acórdão mencionado acima proferido pelo Tribunal da Relação de Paris a 14 de outubro de 2014. Este Acórdão de anulação importante, proferido pela 1a Secção, 1° Juizo, do Tribunal da Relação de Paris há muito era esperado pela comunidade arbitral. Muito bem fundamentado, ele impõe a jurisprudência francêsa em matéria de obrigação de revelação dos árbitros e dos seus gabinetes de advogados.

Resumo dos factos do caso em apreço:

O litígio diz respeito a uma arbitragem internacional AAA ICDR com um árbitro único, aos pedidos iniciais de um grupo canadiano riquíssimo e de um fundo de investimento americano cotado na bolsa de valores de Nova Iorque relativamente a um montante de 990 milhões de dolares americanos (USD).

Em março de 2011, o árbitro único, H.A., advogado associado num grande gabinete canadiano de advogados de negócios, profere uma sentença intermediária de responsabilidade. Ele tem em conta a boa fé da parte requerida, uma PME guadalupeana tendo estendido um cabo submarino em fibra ótica de 3000 km em 14 ilhas das Caraíbas Orientais ao mesmo tempo que a declarava responsável da rutura de um hipotético contrato telefónico relativo à cessão deste mesmo cabo submarino.

De abril a outubro de 2011, o árbitro único, no seguimento da sua sentença intermediária instrói pedidos de indemnização de várias centenas de milhões de dolares dos grupos canadiano e norte-americano.

A parte requerida é então alertada por juristas implicados na instauração do projeto OHADAC - Organização para a Harmonização do Direito dos Negócios nas Caraíbas, que se interrogam sobre o vontade do árbitro único em instruir sózinho este processo e partindo da sua imparcialidade e da sua independência relativamente ao seu adversário.

Foram feitas pesquisas durante a segunda quinzena do mês de outubro de 2011 nos diferentes sítios da Internet e nomeadamente no Google. Elas permitem provar a existência de eventuais relações comerciais entre as partes canadiana e americana e o gabinete de advogados canadiano cujo o árbitro único H.A. é um dos principais sócios, não revelados. Foi, nomeadamente o caso de uma transação espetacular de perto de 600 milhões de dolares (USD) conduzida pelo gabinete do árbitro único e finalizada em dezembro de 2010, no decorrer da arbitragem, três meses antes de ser proferida a sentença intermediária de março de 2011. Esta operação é apresentada no sítio web do gabinete de advogados como uma das mais importantes transações do ano 2010 para este gabinete canadiano.

A PME guadalupeana tendo a noção da situação na qual se encontra, introduz uma ação junto do centro de arbitragem AAA ICDR pedindo que esta aplique os seus estatutos revocando o árbitro único, na medida em que os estatutos da AAA ICDR exigem do árbitro uma obrigação de lealdade que se traduz pela obrigação absoluta de revelar no momento da sua nomeação e durante toda a arbitragem, todos os factos que, o impliquem a ele próprio ou ao seu gabinete de advogados e que sejam de longe ou de perto de natureza a levantar uma dúvida legítima relativamente à sua independência e à sua imparcialidade.

A AAA/ICDR numa decisão lacônica e não motivada, rejeita a 9 de dezembro de 2011 o pedido de revocação do árbitro único e informa as partes que este último decidiu demitir-se.

Acórdão do Tribunal da Relação de Paris de 14 de outubro de 2014:

No seu Acórdão de 14 de outubro de 2014, o Tribunal da Relação de Paris anula o exequatur da sentença intermediária proferida pelo árbitro único conflituoso e demissionário em dezembro de 2011 e declara essa sentença nula e sem efeito na ordenação jurídica francêsa.

Ele reafirma assim claramente os deveres de independência, imparcialidade e de revelação que pesam sobre os árbitros e seus gabinetes de advogados.

A fundamentação decisiva deste acórdão é rica de ensinamentos para a pratica arbitral e é construida nestes termos:

“Considerando que, ao contrário do que era dito na declaração de independência do sr. Alvarez, durante o decorrer da instânca arbitral, três advogados do gabinete Fasken Martineau prestavam os seus serviços à Leucadia numa operação que o gabinete via como uma jogada de comunicação; que tais circunstâncias, desconhecidas da AGI na altura em que o sr. Alvarez foi designado, eram de natureza a provocar no espírito desta parte uma dúvida razoável quanto à independência e à imparcialidade do árbitro ; que convém desde logo anular a sentença por razões de irregularidade na composição do tribunal arbitral”.

É também de realçar que o Tribunal da Relação atribui um montante de 200 000 Euros nos termos do artigo 700 do Código de Processo Civil à parte requerente, uma soma avultada que testemunha da importância que o Tribunal dá a este assunto.

Ler o Acórdão do Tribunal da Relação de Paris de 14 de outubro de 2014.

Imprimer